A Protecção da Biodiversidade da Plataforma Continental: Perspectiva Juridica (Síntese ) |
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) estabelece um claro dever de os Estados protegerem o ambiente marinho, aqui se incluindo a biodiversidade. Nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional a principal responsabilidade nesta matéria é cometida ao Estado costeiro. Desde 2002, é crescente a exortação internacional à criação de áreas protegidas para salvaguarda da biodiversidade marinha, entre outros métodos (v.g., encerramento da pesca em certas zonas, proibição do uso de redes de arrasto em determinadas áreas). Neste enquadramento, o propósito da comunicação centra-se na apreciação das questões jurídicas colocadas pela protecção dos ecossistemas das zonas da plataforma continental situadas além das 200mn, explicando-se a diferença de soluções relativamente à plataforma continental incluída nos limites da zona económica exclusiva e à Área. Numa primeira parte, será aflorado o regime jurídico estabelecido na CNUDM, visto que nele se sustenta a nova vaga de alargamento do domínio do Estado costeiro no mar. O dever de o Estado costeiro proteger a biodiversidade da plataforma continental resulta, em particular, dos artigos 192.º, 193.º e 194.º, n.º 5, da CNUDM. Entende-se que este dever do Estado é acompanhado do poder de criação de áreas marinhas protegidas, tal como decorre de vários dispositivos internacionais, inclusive aplicáveis a países lusófonos, e de soluções encontradas no Direito da União Europeia. Para o efeito, os poderes de actuação do Estado costeiro não são, todavia, ilimitados e reclamam um aturado labor diplomático. No que concerne a adopção de medidas restritivas aplicáveis a Estados terceiros, o Estado costeiro enfrenta realmente várias dificuldades, estando-lhe vedada amiúde a acção unilateral. Por um lado, as liberdades de navegação e pesca não podem ser ignoradas. Quanto a Portugal, há ainda que considerar as vicissitudes da competência exclusiva da União Europeia no domínio da conservação dos recursos pesqueiros. Por outro lado, suscitam-se diversas interrogações no que respeita ao acesso aos recursos genéticos e à bioprospecção. Neste ponto, os problemas são ultrapassados por interpretação dos poderes do Estado costeiro em matéria de limitação da investigação científica. Numa segunda parte, serão apresentados casos concretos de criação de áreas marinhas protegidas, em que Portugal é pioneiro, sendo a consolidação desta prática de importância fundamental para o sentido interpretativo a fixar à CNUDM no que tange os deveres e direitos dos Estados costeiros. No nosso país, com relevo para as regiões autónomas, na plataforma continental «estendida», foram já identificados vários ecossistemas de profundidade tidos pela comunidade científica como merecedores de protecção prioritária. O Direito Português contém fundamentos jurídicos bastantes para a protecção destes ecossistemas, estando contempladas, de forma mais ou menos explícita, as zonas da plataforma continental situadas além das 200mn. Em 2006/2007, no âmbito dos compromissos assumidos ao nível da Convenção OSPAR, em particular o seu Anexo V, Portugal fez história pela proposição, com a subsequente aceitação, da integração da área nacional correspondente ao campo hidrotermal Rainbow na Rede OSPAR de áreas marinhas protegidas. O facto sucedeu numa fase em que os limites exteriores da plataforma continental estavam ainda em estudo, com a certeza, porém, quanto à localização daquele ecossistema numa zona sob soberania nacional. O reconhecimento no seio OSPAR da soberania portuguesa no campo hidrotermal Rainbow, assim como, espera-se, noutros ecossistemas localizados em zonas da nossa plataforma continental além das 200mn, destaca Portugal no «regresso» global ao oceano que hoje presenciamos, constituindo uma justa homenagem a todos os que, no passado, contribuíram para a colocação de Portugal num lugar cimeiro da descoberta e estudo dos mares, entre eles o monarca que as correntes Jornadas evocam: o Rei D. Carlos. |